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O jardim de Afrodite


O jardim parecia lutar contra si mesmo, tentando ser o pedaço de terra mais verde e brilhante do mundo. A chuva forte acabara de passar, e as nuvens começavam a se espalhar, deixando nesgas de azul berrante surgirem no céu. Alguns trovões ainda podiam ser ouvidos, distantes, e enquanto o Sol voltava a reinar um arco-íris surgiu. O vento leve e fresco agitava as folhas das árvores, e as roseiras acenavam para o casal que, da sacada do quarto, observava o mundo se acalmar depois da tempestade.

Juntos eles respiravam fundo, com toda a intensidade possível, para sentir o cheiro úmido do ar recém lavado. "É como você quando sai do banho cheirando sabonete!", disse ele sorrindo, ao que ela respondeu "Eu ia dizer isso!", com tom de falsa indignação. Rindo eles continuaram a apreciar o perfume do ar e a beleza do jardim, cada vez mais banhado pela luz. O calor fazia vapores do chão subirem aos poucos, invisíveis, e com eles subiam também os perfumes da terra, das folhas e das flores, numa mistura adocicada que tornava desejáveis as pancadas de chuva de verão.

Pés descalços, roupas leves, o casal saiu pela porta dos fundos pisando de leve no gramado molhado, sentindo a umidade tocar a pele, beijo suave da natureza purificada. Em seu vestido rosado ela caminhava com simplicidade, mas ao mesmo tempo imbuída da beleza insinuante que dominara o jardim, emanando volúpia incongruentemente casta, como se fosse a própria Afrodite, que não apenas possui Amor, mas também é o Amor personificado.

Na atmosfera quente e perfumada do jardim eles caminharam, riram, brincaram, se sujaram na lama. Voltaram no tempo, e na pureza de suas brincadeiras eles encontraram novo fôlego. O afeto entre eles era enorme e implacável, em todas as formas possíveis. Eram amigos, parceiros, guardiões, cúmplices... E quando as brincadeiras trouxeram a paz exigida, voltaram a ser adultos. Deitados na grama molhada, aos pés da enorme araucária que governava a flora do jardim, eles se tornaram amantes.

Eles fizeram amor sem se importar com o barro. O Sol surgiu por completo no céu, enquanto pequenas nuvens vagavam ao seu redor. O jardim se acalmou, e seu brilho verde se conformou: jamais conseguiria superar a luz do casal. E ao invés de antagonizar, as folhas e as flores resolveram fazer parte da cena, e se tornaram uma cama perfeita. Aquela grama nunca foi tão macia.

O êxtase da união os aproximou do Olimpo. Seus corpos se fundiram, assim como suas almas, e seus corações bateram juntos, numa velocidade estonteante. Foram fulminados por um dos raios de Zeus, mas a Alma Única era tão forte que o que seria morte transformou-se em prazer divino. Depois de uma explosão de paixão e prazer eles voltaram à realidade, lentamente, e seus gritos e gemidos silenciaram, dando lugar à respiração acelerada, acompanhada pelo som dos passarinhos que saudavam a tarde. O jardim continuava exalando seu perfume adocicado e o Sol agora dominava o céu, e seu calor era suavizado pelo vento calmo, que ainda fazia as rosas acenarem. Agora elas se agitavam de alegria, como se aplaudissem a cena de amor que acabaram de presenciar.

Depois de se acariciarem, deitados nus sobre a grama molhada, o casal se recolheu, e debaixo do chuveiro eles sorriam, ainda trocando carícias. Lavavam a lama de seus corpos. Sem saber, eles haviam zombado da vida e suas vicissitudes. Eles se amaram no barro, se equipararam aos deuses que passam a eternidade a rir dos mortais, e agora eles limpavam a terra de seus corpos.

Da mesma forma não perceberam que, apesar de seus corpos terem se separado após a apoteose de amor, suas almas permaneceram unidas. Eram um único ser, e tardes como aquela eram o fogo que alimentava a forja, e os dois eram bigorna e martelo. Juntos eles criavam uma espada chamada Amor, e o aço era a fusão de suas almas.

Lá fora o jardim brilhava rubro, ao pôr do Sol. As rosas dançavam felizes.

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