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Solidão pegajosa

Foto: Heidi Swanson
O celular despertou às sete e meia. Fátima se sentou na cama, sentindo o frio da manhã atingir seu corpo em cheio. Com amargura ela olhou para o travesseiro, desejando dormir para sempre entre aqueles cobertores quentes e acolhedores. Lá fora o barulho dos carros era intenso, revelando que a cidade já despertara para mais um dia vazio, e Fátima se levantou para receber a parte que lhe cabia naquele vazio todo.

Escovou os dentes na semiescuridão do banheiro minúsculo, ouvindo os sons do apartamento do andar de cima. Alguém tomava banho, duas pessoas conversavam, mas ela não podia ouvir as palavras. Uma descarga foi puxada, a conversa se encerrou e uma porta se fechou. O chuveiro continuou ligado.

Fátima tentou imaginar como seria a sensação de compartilhar a vida com outra pessoa, ser íntima de alguém. Provavelmente o casal do andar de cima tomaria café da manhã junto. Talvez não fosse nada de muito especial, mas haveria a conversa, o toque, o contato visual. Talvez um levaria o outro ao trabalho, e se despediriam com um beijo automático e sem muito sentimento. Enquanto isso ela comeria pão francês com margarina, tomaria leite com café, lendo bobagens na internet. Ela não receberia nenhum beijo de despedida.

Minutos depois, já arrumada para o trabalho, Fátima tomava seu café, tentando ignorar a conversa dos vizinhos. Não era a satisfação alheia que a incomodava, mas sim aquela situação matinal, que como tantas outras, lhe dava a sensação de que mundo ao seu redor estava sempre lhe mostrando o tamanho de sua solidão. E para aprofundar ainda mais esta sensação, seu horóscopo naquele dia trazia o tipo de previsão genérica que ela menos gostava.

“A Lua entra em Sagitário e recebe um ótimo aspecto de Marte e Sol em seu signo indicando um dia de movimento intenso, mas equilibrado para o seu coração. O momento pode envolver um novo romance que o Universo começa a desenhar.”

Fátima sempre lia o horóscopo pela manhã, tentando extrair daquelas previsões vagas algum fator que se encaixasse em sua vida. Geralmente, quando ela percebia no texto palavras como “coração”, “romance”, “amor”, “relacionamento”, e demais termos parecidos, ela voltava ao site de busca e tentava ler outra previsão. Foi o que ela fez naquela manhã.

“Momento de importante transformação emocional, pois Vênus, em conjunto com Marte e Mercúrio, pode trazer sensações novas. Novos relacionamentos podem estar...”

Fátima sequer terminou de ler. Procurou outro serviço de astrologia. “Movimento da Lua e do Sol indicam emoções fortes no campo afetivo...” Irritada Fátima deixou o celular de lado. Seu último relacionamento terminara há mais de dez anos; na verdade seria necessária uma boa porção de boa vontade para chamar dois encontros e um telefonema de relacionamento. Antes disso ela havia saído com algumas pessoas interessantes, mas nada deu certo. Para completar o resumo de sua vida amorosa havia dois namoros de juventude, que ficaram no passado como uma lembrança boa, mas dolorosa.

Nada disso aconteceu por vontade de Fátima. Ela tentara se livrar da timidez, tentara ser menos fechada e um pouco mais espontânea, como suas irmãs, mas só o que conseguiu foi solidão. E naquele dia ela estava ali, tomando café sozinha, ouvindo o amável casal do andar de cima conversar despreocupadamente, enquanto seu horóscopo zombava dela.

Amargurada, Fátima largou o pão e o café sobre a mesa, jogou o celular com força dentro da bolsa e saiu para trabalhar. No elevador encontrou duas vizinhas que desconhecia. As mulheres conversavam animadamente, aparentemente sobre uma festa para o filho de uma delas. Novamente Fátima sentiu que a verdade de sua vida estava dançando ao seu redor. Ali estava um tipo de solidão diferente. Ela não tinha amigas com quem conversar, nem mesmo vizinhas conhecidas para cumprimentar e trocar meia dúzia de palavras no elevador. Tampouco tinha filhos para mimar com festas.

No estacionamento Fátima entrou em seu carro e saiu para as ruas agitadas do centro da cidade. Com o rádio sintonizado na mesma estação de sempre, daquelas que só tocam love songs das décadas de 80 e 90, ela se sentiu um pouco mais leve. Era de se esperar que esse tipo de música a deixasse ainda mais para baixo, mas Fátima sentia que não estava tão sozinha no mundo quando ouvia outros cantando sobre tristeza. Ela quase ficava feliz com os pequenos congestionamentos, assim ela podia ouvir mais músicas ao longo do trajeto curto entre seu apartamento e a repartição pública onde trabalhava.

- Bom dia. – Saudou o porteiro. Ele cumprimentava cada funcionário que entrava no prédio, sem nunca tirar os olhos dos jornais abertos sobre o balcão. Na maioria das vezes Fátima o respondia com um aceno, e nos piores dias ela se limitava a passar o crachá na catraca sem sequer erguer olhar na direção do homem. Se o encontrasse na rua não o reconheceria.

Naquele dia ela entrou de cabeça baixa, ainda com uma melodia de Simply Red repetindo em sua cabeça, quando reparou que o porteiro, além de largar as palavras-cruzadas para cumprimentá-la, abriu um sorriso todo simpático e sincero, do tipo que ela não estava acostumada a receber. Em tempo, ela retribuiu o sorriso, sentindo as bochechas arderem, e apressou o passo em direção aos elevadores.

Ao chegar em sua baia na sala repleta de divisórias e mesas, ela sussurrou “bom dia” e “oi” para os colegas que trabalhavam mais próximos, ligou o velho computador e se sentou. Na tela ainda escura do monitor ela observou seu próprio reflexo, ainda sentindo o rosto quente.

A Fátima que a olhava de volta era uma mulher que um dia fora bonita. Quando jovem, ela e suas irmãs causavam furor nos bailes e nas festas da igreja, as três com seus rostos finos, traços delicados, os olhos grandes e castanhos, os sorrisos cativantes. Mas as desventuras da vida fizeram Fátima abandonar a preocupação com as aparências. A mulher no reflexo tinha rugas bem marcadas, olheiras, cabelos que um dia foram castanho-escuros, agora rajados de cinza.

“Qual o motivo do sorriso do porteiro? Seria um simples bom humor da parte dele, ou talvez uma simpatia que eu nunca tinha visto antes? Ou será que trocaram de porteiro, e este é mais simpático, e eu nem reparei?” Fátima se perguntava, enquanto no fundo de sua mente ela lia e relia as palavras do horóscopo. Quando o computador velho finalmente iniciou, fazendo a tela preta dar lugar às cores do papel de parede, ela espantou estes pensamentos, se sentindo uma tola, e focou a atenção na pilha de documentos em sua mesa.

Papéis iam, vinham, viajando infinita e inutilmente pelos diversos setores do órgão público onde Fátima trabalhava. Ela assinava, carimbava, protocolava e mandava o estagiário passar aquilo adiante. Às vezes o telefone tocava, quebrando a monotonia, outras vezes alguém vinha até sua mesa trocar informações sobre algum documento. A manhã se arrastou no ritmo de sempre.

Meio-dia chegou, horário de almoço, e Fátima percebeu que a ideia de passar novamente pela portaria a estava deixando desconfortável. “Pare com isso, parece besta!”, ela se repreendeu. Saiu pelo corredor com passos apressados e firmes, e no elevador evitou o espelho. Ao chegar no térreo, com o coração acelerado, ela tentou evitar o porteiro, misturando-se às pessoas do saguão, e se dirigindo à catraca mais distante do balcão. No último instante, quando encostava o crachá à máquina, ela não se conteve e arriscou uma olhadela. O porteiro, com expressão entediada, tinha os olhos fixos numa revista.

No estacionamento, sentindo alívio misturado a uma estranha decepção, ela entrou no carro e ligou o rádio. Permaneceu sentada por alguns minutos, observando as pessoas que passavam pelo pátio. Alguns entravam nos veículos dos colegas, conversando; pessoas que almoçariam juntos, dividindo a mesa, trocando palavras, por mais vagas que fossem. Surgiu em Fátima uma vontade súbita. Não almoçaria em casa, como fazia todos os dias, não comeria a lasanha de micro-ondas, vendo jornal no sofá da sala. Ela iria a um restaurante, onde estaria cercada de pessoas, dividiria aquele momento de seu dia com outros.

Lembrou de um lugar onde havia jantado com sua irmã Cláudia, quando esta a visitara no ano anterior. Não ficava longe dali, mas era distante o suficiente para ela saber que não encontraria nenhum colega de trabalho almoçando por lá. Era um estabelecimento pequeno, aconchegante, com comida servida em estilo buffet.

Dirigiu sem prestar muita atenção nas ruas, ainda se sentindo estranha por fazer algo tão fora da rotina. Estacionou o carro numa rua calma e entrou pela porta modesta do restaurante. Preparou seu prato com tudo o que gostava, escolheu uma mesa num canto mais escondido e ali ficou a observar as pessoas.

Várias mesas estavam ocupadas por casais. Alguns conversavam com o vigor do relacionamento novo, cheios de sorrisos e fala mole, enquanto outros simplesmente comentavam as notícias que passavam na TV ligada no fundo do estabelecimento, e outros comiam em silêncio.

Fátima percorria o lugar com os olhos, tentando captar a intimidade das pessoas, mesmo das que almoçavam entre amigos, e quando estava já na metade de sua refeição ela percebeu um homem sozinho, do outro lado do restaurante. Devia ter a mesma idade que ela, com rosto largo, cabelos grisalhos, bem vestido. Mas o que realmente chamou a atenção de Fátima foi o fato de que ele a observava.

Seus olhares se encontraram por alguns instantes, e ela se apressou em voltar o rosto para seu prato. De repente os talheres ficaram desajeitados em suas mãos, a cadeira se tornou incômoda, a comida parecia não querer descer. Tentando disfarçar ela arriscou algumas olhadelas na direção do homem, sentindo que ele ainda a encarava, e em determinado momento ela focou em suas mãos. Sem aliança.

Frases sobre a Lua alinhada com o Sol, em Touro, ou qualquer outra coisa do tipo, começaram a borbulhar diante de seus olhos. Sentindo-se como uma adolescente, ela voltou a erguer os olhos, e viu que o homem estava se levantando. Fátima chacoalhou a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos, antes que a frustração ficasse ainda maior.

Não conseguiu comer mais. Ao seu redor havia dezenas de pessoas cujas vidas se interpunham a outras vidas, como círculos que compartilham pontos de tangente; aos seus olhos, mesmo os que almoçavam sozinhos tinham nos rostos e nas maneiras a aparência de quem tem alguém em quem se apoiar. Fátima, cercada por dezenas de pessoas, se sentia perdida em um deserto.

No caminho de volta ao trabalho o rádio permaneceu desligado. Passou com pressa pela portaria. De volta ao computador, ela manteve os olhos em seus papéis, sem sequer ouvir os sons do ambiente ao seu redor. As tarefas mecânicas mantinham suas mãos ocupadas, enquanto em seu pensamento ela caminhava pelos conhecidos cantos escuros, a mesma dor cotidiana, como se a vida fosse pesada demais sobre seus ombros, e ao mesmo tempo leve demais, leve o bastante para escapar entre seus dedos e fugir como um balão de gás.

- Oi Fátima! – Cumprimentou uma colega, trazendo-a de volta à superfície de seus pensamentos escuros.

- Oi! – Respondeu, sem conseguir se lembrar do nome da mulher que sorria diante dela. - Hoje vamos fazer uma festinha para o Gustavo, depois do expediente. Vamos?

- Hoje?

- É, vamos sair daqui e ir direto. Fátima hesitou por um instante, tentando criar uma desculpa para justificar sua ausência. - Vai ser bem legal! – Exclamou a colega, sem esperar sua resposta. – Vamos num daqueles bares perto do centro, não me lembro o nome agora, mas eu confirmo e te aviso.

- Não sei se vou poder, mas qualquer coisa te aviso. – Respondeu Fátima com o melhor sorriso que conseguiu fingir.

- Você nunca vai nos lugares com a gente, poxa! Vamos lá espairecer um pouco, comer uma porção, beber alguma coisa!

- Vou tentar aparecer sim! – Respondeu Fátima, sem jeito.

Horas depois a mesma colega de trabalho veio informar o nome é o endereço do bar. Fátima anotou, tentando demonstrar interesse. Marcou também o telefone e o nome da mulher, que desta vez, convenientemente, trazia no pescoço um crachá onde se lia “Adriana”.

Antes que o expediente chegasse ao fim ela juntou suas coisas e saiu, evitando as outras pessoas na sala. Novamente ela passou pela portaria com o olhar fixo no chão, entrou no carro e seguiu para casa, tentando não pensar em nada, mas sua imaginação criava cenas de pessoas erguendo copos, cantando e sorrindo, ao redor de uma mesa onde o calor da amizade se espalhava pelo ar. Fátima nunca conseguiu experimentar uma amizade sincera e duradoura.

Ela observava os carros e as pessoas à sua volta, imaginando que cada pessoa ali tinha alguém à sua espera em casa. Fátima sequer tinha um animal de estimação para quem voltar no fim do dia. Sua vida era um cargo público medíocre durante o dia, comida congelada e TV durante a noite.

Quando entrou em seu apartamento, ela jogou as chaves e a bolsa sobre a mesa, arrancou os sapatos, e caminhou pela sala, sem acender as luzes. Por vários minutos Fátima ficou em pé, à janela. O som dos carros se misturava às vozes dos lares vizinhos, e nas calçadas pessoas iam e vinham, de todos os lados para todas as direções. Ela estava cercada de vidas, mas nenhuma delas tocava na sua.

Sob a pouca luz ela olhou as fotos nas paredes. Sua mãe e suas irmãs lhe sorriam. “Você precisa se abrir mais, se arriscar!”, dizia-lhe a voz de sua mãe. “O mundo não vai te morder! Mas se morder, é só você revidar!”

Foi então que ocorreu a Fátima que ela nunca revidara. Passara a vida aceitando as mazelas que o acaso lhe impôs, sem buscar seus objetivos, sem tentar encontrar o próprio norte. Deixara o tempo passar e agora, com mais de cinquenta anos de idade, ela era solitária, frustrada. O mundo mordeu Fátima e ela nunca reagiu.

Voltou à mesa e pegou o telefone, com a intenção de ligar para sua mãe, e o papel com o endereço do bar veio junto. Por alguns instantes ela julgou o que valeria mais à pena: confessar para outro, além dela mesma, a derrota que sofrera contra a vida, ou tentar, uma última vez, sentir como é incluir-se num círculo de pessoas. Numa festa talvez ela se sentisse mais à vontade do que no ambiente de trabalho. Havia uma chance de fazer amigos, e conhecer de fato as pessoas com quem ela passara cinco dias por semana pelos últimos anos. Talvez até mesmo fazer valer a previsão dos horóscopos.

Respirando fundo ela largou o telefone e o papel sobre a mesa, caminho até o quarto e abriu o guarda roupa. Vasculhou os cabides em busca de suas melhores roupas, selecionou algumas e deixou-as sobre a cama. Tomou um banho demorado, tentando limpar não apenas o corpo, mas também a alma, que ficara tanto tempo juntando limo no mundo escuro que era sua existência.

No fundo de uma gaveta ela encontrou uma caixa de maquiagem, presente que ganhara de uma de suas irmãs no último Natal. Longos minutos se passaram, ao longo dos quais ela tentou disfarçar as rugas, as olheiras e a melancolia, se esforçando para enxergar no reflexo algum traço da jovem Fátima, a moça bonita do passado. Das roupas sobre a cama ela escolheu sua favorita, um vestido verde escuro, sobre o qual ela borrifou o perfume que sua outra irmã lhe dera dois aniversários antes, na esperança de esconder o cheiro de naftalina.

Minutos depois Fátima observou a mulher no espelho. Meia idade, maquiagem carregada, cabelo grisalho, um tanto malcuidado, num vestido comprado no auge dos anos 90, e calçando sapatos que não viam a luz do dia há quase vinte anos. Ela nunca se vestia daquela forma, nunca se maquiava, nunca se perfumava, e ela sabia que numa situação normal, ela simplesmente tiraria tudo aquilo, vestiria o pijama e se enfiaria na cama, tentando afundar no escuro do quarto. Porém, ela também sabia que aquele dia não era comum. Não se tratava de uma situação normal.

Tentando não pensar muito, Fátima apanhou as chaves do carro, a bolsa, o papel, e saiu. No trânsito do começo de noite, ela se esforçava para não fazer a volta na próxima quadra e retornar ao refúgio da própria solidão. E foi ali que ela percebeu que havia se acostumado ao sentimento de abandono, um abandono que ela mesma criou. Paradoxalmente, ela se sentia confortável com seus sentimentos tristes, mesmo sabendo o quanto eles o faziam mal.

“Hoje eu tento dar um fim nisso”, pensou. “Se algum dia eu tive a capacidade de superar essa barreira, esse dia é hoje”. A cada semáforo vermelho ela buscava dentro de si a razão desta determinação repentina, sem saber explicar para si mesma se fora o sorriso do porteiro, o olhar do homem no restaurante, a insatisfação com a alegria de seus vizinhos, ou a Lua, alinhada com este ou aquele astro do sistema solar. Ela apenas sentia que aquele dia era sua última chance, e com apenas uma bala ela deveria abater a vida sozinha e pegajosa que a cercava há tantos anos.

Estacionou, caminhou em direção ao bar, recebeu do garçom uma comanda, entrou no ambiente. Pessoas riam, música tocava, copos subiam e desciam, numa atmosfera de alegria à qual ela não estava habituada. Sentiu o coração acelerar, pensando na chance de se aproximar das pessoas, fazer amizades, trocar amenidades com seres humanos menos miseráveis que ela.

No primeiro ambiente ela não encontrou ninguém conhecido. Nervosa, caminhou por entre as mesas, subiu as escadas até o mezanino. Ninguém. Desceu novamente, sentindo o pulso acelerar ainda mais, as axilas já úmidas de ansiedade. Não havia naquele bar nenhum colega de trabalho. Se surpreendeu ao perceber as mãos trêmulas quando verificou, no papel em que anotara o endereço do local da festa. Ela estava no lugar certo. Todos deveriam estar lá há pelo menos duas horas.

Fátima sentou numa banqueta à beira do balcão, sentindo a tristeza aumentar e se espalhar por dentro dela, como uma mancha escura a tingir suas expectativas coloridas. Respirou fundo, apanhou o celular e ligou para Adriana.

- Oi Fátima! – Saudou a mulher ao atender o telefone. No fundo era possível ouvir muitas vozes, música alta, risadas, o som das alegrias rápidas e paliativas que qualquer bar é capaz de oferecer. – Cadê você? Eu achei que você viria com a gente, mas você saiu mais cedo!

- Oi! – Respondeu Fátima, tentando esconder o nervosismo em sua voz. – Eu cheguei, mas não encontrei ninguém.

- Ué, tá todo mundo aqui! Onde você está?

- No balcão, do bar onde você me disse para vir.

- No bar... Espera um pouco. – Adriana afastou o telefone do rosto, mas Fátima ainda podia ouvi-la. – Gustavo! Gustavo! Você não avisou a Fátima que tinha decidido mudar a festa para outro bar?

- Não, eu achei que você ia ligar pra ela! – Ouviu Fátima.

- Nossa Fátima, me desculpa! – Disse Adriana voltando ao telefone. – O Gustavo mudou de ideia de última hora, porque esse bar aí é meio pequeno. Eu deveria ter te ligado! Nossa, me desculpa!

- Não tem problema! – Respondeu Fátima, imprimindo na voz seu tom mais ameno e cordial possível. - Você vem pra cá? Tem como anotar o endereço aí? Fátima fingiu que pegava uma caneta. Fingiu que anotava o endereço e as indicações de como chegar ao local da festa. Ouviu novamente pedidos de desculpas, enquanto alguém do outro lado da linha começava a cantar “Parabéns pra você”. Vozes formaram um coro, palmas marcavam o ritmo, e com um último convite – “Vem pra cá!” – Adriana deligou o telefone.

- Boa noite! Vai pedir alguma coisa, moça? – Perguntou a jovem que trabalhava atrás do balcão. - Uma dose de White Horse, por favor. – Respondeu Fátima, depois de limpar a garganta.

A garçonete foi buscar a bebida, deixando o espelho do fundo do bar exposto, de modo que Fátima viu o próprio reflexo entre as garrafas. A maquiagem parecia ainda mais exagerada, o vestido era tão ultrapassado que ela parecia um personagem de filme antigo, e as marcas escuras de suor debaixo do braço não ajudavam em nada. Seus olhos brilhavam, úmidos.

O copo chegou, e foi esvaziado num único gole. A esperança de Fátima era de que o uísque levasse embora, com sua ardência, o nó que ficara em sua garganta. Atravessou o bar, em direção à porta, com o olhar no chão, pois sentia que todos ali a olhavam com rostos debochados. Se ela erguesse a cabeça, veria a risada das pessoas, os olhares acusando: “Lá vai fracassada! Lá vai ela, com sua roupa cheirando naftalina, voltar para a ruína de sua vida! Lá vai a maior perdedora que o mundo já viu! ”

No caminho para casa ela passou num mercado qualquer e comprou quatro garrafas de vinho. O rádio do carro permaneceu desligado.

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Comentários

  1. Vai se foder. Eu não quero mais nem sair de casa pra ir pra faculdade.
    To triste.

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    1. Calma, cara. Pra começo de conversa, se fosse uma crônica toda engraçadona, você ia continuar sem vontade de ir pra faculdade.

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